segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O AGRONEGÓCIO E A DESIGUALDADE



              O veto da Presidente Dilma Rousseff a alguns dispositivos do Código Florestal provocou a reação irada dos representantes do agronegócio no Congresso e na imprensa. A questão, além de sua atualidade, retorna à velha discussão sobre o problema crucial do Estado moderno, que surgiu das duas grandes revoluções políticas de nossa idade, a de 1789 e a de 1844. Trata-se da natureza e dos valores da democracia, e  das dificuldades do sistema parlamentar representativo,  segundo os dois  magníficos ensaios de Hans Kelsen, “Da natureza e dos valores de democracia” e “O problema do parlamentarismo”, ambos editados nos anos 20.
           Kelsen mostra as dificuldades do sistema baseado na representação popular, para demolir a atração pela representação “orgânica”, que foi a essência do fascismo corporativista, em ascensão naquele tempo e que retorna, solerte, nos estados republicanos modernos – de maneira nem sempre embuçada. É o que ocorre também no Brasil.
    As representações corporativas penetram nos partidos, como  infecção fatal para a democracia, e os dominam, para além de seus órgãos dirigentes. Preocupados, na maioria das vezes, com o varejo da política, os estudiosos e analistas desprezam essa deformação do sistema político nacional, que ofende os princípios democráticos e faz do parlamento uma câmara corporativa, no modelo do fascismo italiano.
           O corporativismo, no Brasil, não se limita aos interesses econômicos, embora neles encontre seus esteios mais sólidos. As representações parlamentares se dividem entre as sindicais (de patrões, como a CNI, a CNA, a CNT, e a Febraban  e de empregados, sem nenhum poder de fogo econômico), as religiosas e empresariais. Os banqueiros, os industriais, as empresas multinacionais, os barões do agronegócio, os grandes mineradores, os exportadores e importadores, mantêm, encabrestadas, suas bancadas particulares,  tanto no Senado como na Câmara dos Deputados.
       Isso não significa que todos os parlamentares estejam a serviço de tais corporações ou empresas em particular.       Há parlamentares escolhidos pela vontade soberana do povo, não conspurcada pelo que Serge Tchakhotine definiu como Le viol des foules par la propagande politique – a violação das massas pela propaganda, maciça e impostora. São minoria, mas é graças à sua presença nas casas parlamentares que se preserva um pouco de lucidez nos meios políticos nacionais.
       A propaganda política – como deixa claro Tchakhotine – não se limita aos tempos e processos eleitorais. Ela é permanente e insidiosa, valendo-se de especialistas, como é o caso notório de Edward Bernays, um dos pioneiros na utilização do noticiário dos jornais para a defesa dos grandes negócios (entre eles, os dos cigarros), mediante a criação de hábitos de consumo, e – é claro – na influência política sobre as massas.
      É uma guerra de todos os dias, entre o controle dos corações e mentes, para lembrar a expressão conhecida, e a reação da autonomia de pensamento e da liberdade política, por parte não só de poucos intelectuais, mas, a  cada dia mais intensa, da cidadania em geral. Ainternet, para o bem e para o mal (e esperamos que a prazo maior, seja só para o bem) está quebrando o monopólio dos que acreditam ser possível impor para sempre o “pensamento único”, parido pelo conúbio entre o poder financeiro mundial, a indústria bélica e os enlouquecidos generais que dominam o Pentágono, a Otan e Israel.
     O agronegócio, como mostra a experiência, e estudos recentes de conhecidos especialistas, ao levar as relações cruéis entre o capital e o trabalho para o campo, está aumentando a criminosa desigualdade na sociedade brasileira.  As máquinas lavram a terra, irrigam as glebas imensas e colhem os grãos; os herbicidas assassinos limpam as eiras, para plantar as sementes geneticamente modificadas, a fim de resistir aos agrotóxicos, que envenenam a terra, as águas e a produção.
      Os pequenos e médios  lavradores são expulsos. Vão se amontoar,  com sua miséria, sua revolta e seu sofrimento, na periferia das cidades. O que já era péssimo, há décadas,  tornou-se ainda mais brutal, com a submissão do país ao Consenso de Washington.
       A lição maior de Kelsen, nos ensaios citados, é a de que não há sistema que possa substituir o da verdadeira representação popular. Só  com  a participação igualitária e consciente de todos os cidadãos pode haver democracia.           
     Livramo-nos, graças ao instituto de legislação participativa (que Kelsen defendia há mais de 80 anos), dos candidatos de ficha suja. Temos que nos livrar, agora, do poder nefasto do corporativismo. Como disse, em 1934, Ortega y Gasset, em discurso no Parlamento da Espanha,  “lo corporativo no resiste al vigor de las ideas y de la pasión política: la política, en la Historia, es el macho”.Vale.

Do blog do Mauro Santayana

3 comentários:

  1. Um exemplo claro de que o Agronegócio centrado na monocultura e grandes extensões de terras é um forte elemento de concentração de renda é a cidade de Balsas-MA, conhecida nacionalmente por suas lavouras de soja, passando pelas estradas o que se vê é soja a perder de vista, porém as lavouras são mecanizadas, empregam poucas pessoas e o lucro não é aplicado na região, pois os proprietários das fazendas são, na sua maioria, das regiões sudeste e sul, o resultado é uma região com alto PIB e péssima distribuição de renda com baixo IDH...

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  2. Exatamente Marcelo, o agronegócio é por natureza excludente, além de ser ambientalmente insustentável e socialmente injusto.

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  3. Não generalizem, depende do agronegócio, responsável direto pelo avanço do nosso PIB. Agronegócio é empresa rural e é uma realidade mundial, até mesmo porque temos de dar comida de boa qualidade para as pessoas. Agronegócio e agricultura familiar não são excludentes, podem conviver harmonicamente.

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